domingo, 12 de janeiro de 2014

O bicho da gente

Olhei de manhã e percebi que ela tinha morrido. Foi um baque. Fazia um tempão que eu cuidava dela, eu tratei bonitinho, alimentei, dei carinho, pra ela morrer assim, de uma hora pra outra. Não dá pra confiar em nada mesmo, uma vida inteira pra manter intacta uma dor antiga, tantas tentativas da vida em separa-la de mim e agora, ela morre. Assim do nada.

Pensando bem, acho que a culpa foi minha. Essas coisas precisam de atenção pra durar, e nas últimas semanas eu fui um tanto quanto negligente com ela. Foi difícil conciliar a minha vida feliz com as dores do passado. Eu deixei muitas delas morrerem, não fiquei frustrada por isso, nem sinto mais que algum dia elas estiveram aqui. Mas sempre tem alguma ferida que a gente deixa ali, pra cutucar nas tardes de domingo. Pra fazer os olhos transbordarem no meio do filme de drama. 


Peguei as fotos, os presentes, liguei a musica que sempre me fez lembrar com intensidade de cada pedacinho doloroso, e nem sinal. Eu sabia, e você sabe. Ela morreu. O estranho é a gente sempre tentar fazer ela ficar, tentar juntar os restos mortais e fazer ela sobreviver. O motivo? A dor é um lembrete de que nem tudo são flores. Quando ninguém está olhando, somos um bando de medrosos, e desde que o mundo é mundo, o maior dos nossos medos sempre foi sofrer. Que ironia, mantemos uma dor pra tentar não fazer doer de outro jeito. 


O fato é que sempre lidamos melhor com aquilo que conhecemos. É mas fácil lembrar daquele rosto. É mais simples chorar pelos mesmos motivos, as mesmas flores. O mesmo beijo falso tem um sabor que já nem dói tanto assim. É só uma pontinha na alma que é tranquila de suportar. 


Sei que não sou a unica louca/descompensada/deprimente que pensa desse jeito, o mundão lá fora está lotado de pessoas alimentando suas lembranças tristes, só pra servir de sensor. Quando a vida começa a ficar boa demais, as luzes lá dentro piscam e ela grita pra você ter cuidado. Mas chega uma hora que não dá mais, a felicidade ocupa tanto espaço no miocárdio que não sobra um cantinho sequer pra coitada da dor. E ela acaba morrendo, assim mesmo, do nada. 


A melhor parte é que não há nada de errado em sentir medo. O problema começa quando nos prendemos de tal modo nesses sentimentos que não abrimos espaço pra novas experiencias. Dores são parte da vida, mas não tente domesticá-las. Elas são selvagens demais pra isso, e no fim, você que vai acabar sendo o animalzinho da história.


2 comentários:

  1. Olá Débora.. gostei da sua forma de escrever e de ver as coisas.. especialmente em "O bicho da gente"...(este gênero é muito bom).. mande artigos com até 2.5 mil toques para o e-mail editoria@ilustrado.com.br que publicaremos seus textos... mande tb.. com seu nome completo e e-mail para contatos...
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    Cleverson E. Zanquetti

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    1. Olá Cleverson, fico muito feliz com o interesse de vocês! Vou mandar sim! Obrigado!

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